Livro: uma paixão

As centenas de feiras literárias organizadas todos os anos nas capitais, nas
cidades do interior, no sertão, no semiárido e nas periferias nos dão uma boa
oportunidade para prestar homenagem a esse grande, fiel e inseparável amigo, feito
de papel, cola, grampo, linhas e letras que é o livro. Essa moldura recheada de
conteúdos os mais diversos: paixão, aventura, amor, dor, suspense e, sobretudo, a
mais elevada forma de atividade do espírito humano: a atividade literária, a criação do
texto, a inspiração poética.
Lamentavelmente vamos ficando poucos os que ainda nos aproximamos do livro
com paixão ansiosa. Trata-se de uma verdadeira aventura amorosa abrir um novo
livro, virar suas páginas, tocar seu papel e sentir-lhe a consistência, cheirá-lo e
finalmente mergulhar em seu conteúdo, absorvendo ávida e deliciosamente as
palavras mágicas que nos fazem viajar, sofrer, chorar, rir, amar, refletir, rezar...
As novas tecnologias entraram com força em nossas vidas, atraindo-nos e
conquistando-nos por inteiro com sua rapidez, eficiência e imediatez. O clique de um
botão envia pela internet a antes carta perfumada e laboriosamente escrita, que
passava pelas etapas do selo, do correio, do carteiro. O telefone celular agora não se
limita a receber e enviar chamadas telefônicas, mas envia e recebe mensagens
eletrônicas, toca música, apresenta os mais variados jogos. A rede faz chegar do
outro lado do mundo livros inteiros em questão de minutos e mesmo segundos. E
disponibiliza bibliotecas, periódicos e artigos onde se pode, sem sair da frente da tela
do computador, fazer o que antes se fazia das páginas impressas do livro.
Há ainda a televisão, que a cada dia apresenta capítulos de novela e sessões de
“reality shows”. Breve será interativa e poderemos “conversar” com ela e através dela,
tal como já fazemos através da internet no computador.
E, no entanto...será que se trata da mesma coisa? Será idêntica a experiência que
temos e vivemos diante de um computador ou de uma televisão e aquela que desafia
todas as nossas energias e faculdades mentais diante das páginas de um livro novo,
recém aberto, ou de um livro antigo e tão amado que se tornou amigo de infância e
que não cansamos de revisitar e reler?
Não há dúvida que as novas tecnologias revolucionaram para melhor nossas vidas
e nos trouxeram contribuições inestimáveis em termos de possibilidades de aceder
mais veloz e diligentemente a toda e qualquer informação que desejamos. Porém, é
inegável que essas mesmas tecnologias podem criar em nós uma espécie de
dependência, de vício, que funciona como uma droga que nos impede de estar
abertos e disponíveis a outras coisas. É assim que as novas gerações podem passar
horas brincando em um computador, em salas de "chat" na internet em conversas que
muitas vezes não são tão produtivas. Ou não perder um capítulo de novelas e “reality
shows” que vão encurtando e atrofiando cada vez mais sua potencialidade criativa,
não estimulada por contribuições sempre menores e menos significativas.
Enquanto a leitura do livro nos desafia, nos exige e nos ajuda a fazer novas
interpretações e sínteses que vão nos permitir viver as situações vitais com maior
preparação e um quadro de referências mais ricas, muitas das novas tecnologias,
sobretudo se utilizadas com excesso e falta de discernimento, podem instaurar uma
comunicação veloz, sim, mas sem muita consistência. A prova disso é o tamanho dos
poucos textos que acompanham a louca dança das imagens na internet: são cada vez
mais curtos, escritos em estilo menos elaborado, cheios de erros de português ou
eivados de uma gíria própria que exclui as gerações nela não iniciadas.
A leitura exige tempo, calma e investimento. Ler um grande texto, uma bela
poesia, um denso ensaio pede atenção, concentração, reflexão. Parece ser coisa que
não se está mais disposto a exercitar nos tempos que correm. Rezar diante de uma
passagem bíblica, de um salmo, ou de um poema religioso pede que toda a pessoa -
corpo e espírito - esteja voltada para as letras que na escritura desenham paciente e
paulatinamente o rosto do divino buscado ansiosa e amorosamente.
As feiras literárias conseguem trazer-nos de volta um pouco da velha paixão e
respeito que merecem esses tão fiéis e adoráveis amigos que são os livros. Quem
sabe, também e não menos, conseguem nos devolver algo do sentimento tão
profundamente humano que vê e sente a leitura como um ato que tem algo de
profundo e de sagrado?

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