"A reforma decisiva da Igreja ficará historicamente definida com a sinodalidade e a superação do domínio patriarcal" Dez anos com o Papa Francisco

Dez anos com o Papa Francisco
Dez anos com o Papa Francisco

"Que dizer da ignomínia da pedofilia? Para ela, “tolerância zero”. E não apenas com palavras, mas com determinações seguras, também penais: a pedofilia não é só um pecado, é um crime"

Francisco é combatente acérrimo contra o clericalismo e o carreirismo eclesiástico, uma “peste” na Igreja. Não quer “bispos príncipes” nem “bispos de aeroporto”

"Desde o princípio, defensor acérrimo da paz, a sua intervenção política foi notada, a ponto de se ter tornado um líder político-moral global, talvez o mais ouvido"

Foi a 13 de Março de 2013 — faz agora 10 anos —, que foi eleito. E percebeu-se logo naquela tarde que vinha como cristão: simples, sem aparato, inclinou-se perante a multidão, e ficou gravada na memória de todos aquela sua saudação: “buena sera” (boa tarde), que o tinham ido “buscar ao fim do mundo para bispo de Roma” (ele não usará o título de Papa), e, antes de dar a bênção, pediu que fossem os fiéis a pedir a bênção de Deus para ele primeiro. 

O nome escolhido era revelador: Francisco, lembrando Francisco de Assis a quem pareceu uma vez ter ouvido dos lábios de Cristo crucificado o pedido: “Francisco, repara a minha Igreja, que ameaça ruina.” Sim, o Papa Francisco chegou e, por palavras e obras, é o que tem feito: não foi viver para o Palácio Apostólico, utiliza um carro modesto, está com todos, começando pelos mais pobres, acolhendo prostitutas, sorrindo e abraçando,  brincando com crianças que lhe roubam o solidéu... 

Era urgente reformar a Cúria, cujas doenças, a título de exemplo, elencou logo na saudação natalícia papal de 2014: tudo gira à volta da “patologia do poder”, e a primeira doença é “pensar e sentir-se imortal, indispensável” e lá estão “a rivalidade e a vanglória”, e a “esquizofrenia existencial”, o “Alzheimer espiritual”, “divinizar os chefes”... Francisco rodeou-se de uma equipa de cardeais para a missão da reforma e ela aí está na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (Pregai o Evangelho), onde, logo no título se diz o essencial: anunciar o Evangelho, a notícia boa e felicitante de Jesus para todos. Para que serve a Igreja se não anuncia e pratica o Evangelho?

Os escândalos do Banco do Vaticano eram outra fonte de terrível preocupação: para onde vão, como se utilizam, os dinheiros que vêm dos fiéis? Francisco tudo tem feito, inclusive apelando a regras internacionais, para impor a transparência.

Que dizer da ignomínia da pedofilia? Para ela, “tolerância zero”. E não apenas com palavras, mas com determinações seguras, também penais: a pedofilia não é só um pecado, é um crime... “Não posso começar sem pedir perdão uma vez mais. Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. Pecámos gravemente: milhares de vidas foram arruinadas  por quem tinha o dever de cuidar delas e defendê-las. Nunca será suficiente o que fizermos para tentar reparar o dano que causámos.”

Francisco é combatente acérrimo contra o clericalismo e o carreirismo eclesiástico, uma “peste” na Igreja. Não quer “bispos príncipes” nem “bispos de aeroporto”. Contra a “casta” eclesiástica: “Há um profundo desprezo pelo povo santo de Deus. Já não são pastores, mas capatazes”. Mais uma vez, na sua recente visita ao Sudão do Sul, no encontro com os bispos, o clero e os religiosos, pediu aos pastores que fossem compassivos e misericordiosos, “não senhores do povo” . A Igreja de Cristo “situa-se no meio da vida sofredora do povo, e suja as mãos pelo povo”. 

Bate-se pelo diálogo ecuménico e inter-religioso e pratica-o. Por exemplo, esteve na Suécia para participar na comemoração dos  500 anos da Reforma. “Creio que as intuições de Martinho Lutero não eram equivocadas: era um reformador. Talvez alguns métodos não tenham sido adequados, mas pensando naquele tempo vemos que a Igreja não era realmente um modelo a imitar: havia corrupção na Igreja, espírito mundano, apego ao dinheiro e ao poder.” É amigo de Bartolomeu, patriarca ortodoxo de Constantinopla, a quem até já pediu a bênção. Foi com o arcebispo anglicano de Cantuária, J. Welby, visitar o Sudão do Sul. Esteve em  vários países de imensa maioria muçulmana e assinou, em Abu Dhabi, juntamente com o grande imã da mesquita Al-Azhar, A. Al-Tayyeb, o “Documento sobre a Fraternidade Humana”.

Sobre a ecologia, escreveu uma encíclica que fica para a História: a Laudato Sí, defendendo uma “ecologia integral”, vinculando a urgência da defesa da Natureza e a dos mais pobres. A Terra é criação de Deus, e, sem a salvaguarda do ecossistema, o que  está em jogo é o planeta e a sobrevivência da Humanidade. 

Desde o princípio, defensor acérrimo da paz, a sua intervenção política foi notada, a ponto de se ter tornado um líder político-moral global, talvez o mais ouvido.  Significativamente, a sua primeira visita fora de Roma foi a Lampedusa, para clamar a favor dos refugiados e uma política contra a “globalização da indiferença”. A quem o acusa  de “fazer política”, responde: “Sim, estou a fazer política. Porque toda a pessoa tem de fazer política”. A quem lhe chama comunista remete para o Evangelho e acrescenta: “Não condeno o capitalismo e também não estou contra o mercado”: o que defende é a “economia social de mercado”. “A mesa económica não funciona só com duas pernas. Com três, sim: o capital, o trabalho e o Estado como regulador.”

Entretanto, nestes dez anos, Francisco foi abrindo portas para uma nova compreensão e abertura no domínio da moral sexual, por exemplo, abrindo portas de acesso à comunhão de divorciados recasados, aos anticonceptivos, aos homossexuais...

A reforma decisiva da Igreja ficará historicamente definida com a sinodalidade e a superação do domínio patriarcal. Aí está uma razão essencial para não querer resignar antes de 2024: levar a termo o Sínodo sobre a sinodalidade.

E é feliz? “Estou feliz porque me sinto feliz. Deus faz-me feliz”, disse há pouco à America Magazine.

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