"Não há resposta definitiva constringente para o que é a realidade na sua ultimidade" Num mundo ambíguo, perguntas e interpretações

Muerte
Muerte

"O mundo é ambíguo: tem sentido e também parece sem sentido, há vida e há morte, dor e alegria, violência, ódio e também amor e generosidade, destruição e criatividade"

"Como se não cansava de repetir Pedro Laín Entralgo, só o penúltimo é certo, o último é e não pode não ser incerto"

Apesar de todas as diferenças e precisamente nelas, todos — homens e mulheres, brancos, pretos, peles vermelhas, amarelos, mulatos, altos, baixos, pequenos, ricos, pobres, esbeltos, feios, inteligentes, inadaptados, génios, analfabetos — vivemos todos no mesmo mundo. Precisamente a sua realidade não é transparente. O mundo é ambíguo: tem sentido e também parece sem sentido, há vida e há morte, dor e alegria, violência, ódio e também amor e generosidade, destruição e criatividade. Assim, a realidade mostra-se, mas ao mesmo tempo esconde-se. Desse desvelar-se e velar-se nascem inevitavelmente perguntas: a realidade, incluídos nós próprios, é inevitavelmente perguntável. 

     Ressalta, portanto, a contingência, mas, como escreveu Raimon Panikkar, assim: "tocamos (tangere) os nossos limites" e "o ilimitado toca-nos (cum-tangere) tangencialmente". De pergunta em pergunta e de resposta em resposta, é inevitável a pergunta pelo Fundamento último e pelo Sentido último deste mundo comum na sua ambiguidade.

Creemos. Crecemos. Contigo

Cruz

Assim, tanto o crente como o ateu arrancam de perguntas humanas radicais a partir do mundo comum, e as suas respectivas respostas de fé ou descrença representam interpretações da realidade, mas nestes precisos termos, como escreveu o filósofo da religião Andrés Torres Queiruga: "não se interpreta o mundo de uma determinada maneira porque se é crente ou ateu, mas é-se crente ou ateu porque a fé ou a descrença aparecem aos respectivos sujeitos como o modo melhor de interpretar o mundo comum".

Deste modo, também no domínio da fé há uma "verificação": se o crente dá a sua adesão à fé é porque comprova que a "hipótese religiosa" é a que melhor ilumina as questões últimas da vida e da morte, a realidade do mundo e da história; o agnóstico confessará que não acha razões suficientes para decidir-se; o ateu apoia-se na convicção de que têm mais peso as razões contra a existência de Deus.

Como se não cansava de repetir Pedro Laín Entralgo, só o penúltimo é certo, o último é e não pode não ser incerto. O crente, na sua interpretação da realidade mundana e humana, apoia-se numa Presença que não se mostra nem se vê directamente, mas que se encontra co-implicada em tudo o que se mostra e vê. Nessa Presença a que chama Deus, a realidade na sua totalidade revela-se-lhe plena de sentido. 

Não há resposta definitiva constringente para o que é a realidade na sua ultimidade. É no próprio acto de fé que o crente experiencia o carácter razoável da sua adesão confiante livre, o que mostra o vínculo entre verdade e liberdade. 

    Por outro lado, se o que une os seres humanos é a pergunta ilimitada pelo Infinito, não há lugar para as guerras de religião — as religiões são inevitavelmente respostas finitas — nem para nenhuma forma de fundamentalismo — ninguém é senhor do Fundamento. Antes das religiões, há a humanidade, de tal modo que um critério hermenêutico decisivo da verdade de uma religião é, negativamente, não ser contra a humanidade do ser humano e, positivamente, contribuir para a sua realização. Uma religião contra o ser humano, humilhando-o, diminuindo-o, fazendo apelo à violência, ou é uma religião falsa ou os seus fiéis interpretam-na mal.

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