"Mas o mundo nem é óptimo nem é péssimo. O mundo é ambíguo, uma mistura de bem e de mal" Optimismo-pessimismo: a ambiguidade do mundo

Voltaire y Schopenhauer
Voltaire y Schopenhauer

"Leibniz era um cristão convicto e, portanto, Deus, entre os mundos possíveis, tinha de ter criado o melhor"

"Se, para Leibniz, o nosso é o melhor dos mundos possíveis, para Arthur Schopenhauer, é precisamente o contrário: este é o pior dos mundos possíveis. Existir é  sofrer"

"Num mundo comum, que crentes e não crentes habitam, o que os separa é a interpretação que dão a esse mundo ambíguo"

Foi Leibniz que, numa obra célebre – Teodiceia -, na qual, perante a existência do mal, queria defender e justificar Deus, se apresentou como arauto do optimismo. O nosso mundo é o melhor dos mundos possíveis. 

Leibniz era um cristão convicto e, portanto, Deus, entre os mundos possíveis, tinha de ter criado o melhor. De facto, se este nosso mundo criado não fosse o melhor, haveria a possibilidade de outro melhor, o que significaria que ou Deus não tinha conhecido esse mundo melhor ou não o tinha querido ou não tinha podido criá-lo, o que contradiz a sua  omnisciência, a sua bondade infinita e a sua  omnipotência. 

Veio o terramoto de Lisboa em 1755, que tornava impossível a manutenção de ideias optimistas. Voltaire escreveria o famoso “Poema sobre o desastre de Lisboa”, onde pede aos filósofos enganados que venham ver as mulheres e as crianças empilhadas umas sobre as outras, todos esses desgraçados enterrados debaixo dos seus tectos, terminando os seus dias no horror dos tormentos.

Consigue el libro despedida al papa Francisco

Voltaire

Voltaire escreveu também o Cândido, onde escalpeliza a ideia de que tudo contribui para o melhor. O optimismo de Pangloss e a candura de Cândido vêem-se confrontados com a realidade bruta do mal: as desgraças humanas causadas pelas catástrofes naturais, pela estupidez humana, pelas instituições, pelas guerras, pela avareza, pela superstição, pela escravatura, pela hipocrisia, pelo tédio, por todo o tipo de exploração...

Se, para Leibniz, o nosso é o melhor dos mundos possíveis, para Arthur Schopenhauer, é precisamente o contrário: este é o pior dos mundos possíveis. Existir é  sofrer

Segundo Schopenhauer, o mundo na sua realidade última é vontade, mas vontade cega. Tudo é impulsionado pela vontade de viver, uma vontade infinita nunca saciada, de tal modo que os nossos impulsos e desejos nunca encontram satisfação. O optimismo não passa de escárnio frente à dor sem fim nem limites da humanidade.  

Schopenhauer acompanha-nos pelos hospitais, pelas cadeias, pela selva (pensa-se pouco na dor dos animais), pelos campos de batalha, pelos matadouros, pelas câmaras de tortura, por todas as moradas da miséria. A necessidade é o açoute permanente dos humanos, mas, quando a satisfazem, entram no tédio e desejam outra coisa – a vida é como um pêndulo entre a dor e o tédio. No fim, o destino é a solidão atroz, pois cada um, no mais profundo, está sempre sozinho. Depois, é a morte. 

Pergunta-se: Devemos ser optimistas ou pessimistas? O mundo tal como se nos apresenta exige o optimismo ou a única atitude razoável é o pessimismo? O optimismo celebra o óptimo, que é o superlativo absoluto simples de bom. O pessimismo deixa-se derrotar pelo péssimo, que é o superlativo absoluto simples de mau. 

Mas o mundo nem é óptimo nem é péssimo. O mundo é ambíguo, uma mistura de bem e de mal. E nele fazemos experiências negativas de contraste: deparamo-nos com a negatividade, mas sempre como aquilo que não devia ser, isto é, em confronto com a positividade. Isto significa que nos vivemos a nós mesmos no mundo na perplexidade. O mundo não nos aparece como completamente absurdo e, por isso, perguntamos, à procura de um sentido, de sentido último. 

A própria Bíblia, que é toda atravessada pela esperança, não é de modo nenhum ingénua nem ignora o horror do mundo. O livro de Job é paradigmático. Job, inocente, açoitado pela desgraça, ousa erguer a voz em quase blasfémia, quer levar Deus a tribunal e chega a amaldiçoar ter nascido: “Job tomou a palavra e disse: ‘Desapareça o dia em que nasci e a noite em que foi dito: ‘Foi concebido um varão!’ Porque não morri no seio da minha mãe? Por que razão foi dada luz ao infeliz e vida àqueles para quem só há amargura? Esses esperam a morte que não vem e procuram mais do que um tesouro; esses saltariam de júbilo e se alegrariam por chegar ao sepulcro.” 

De qualquer modo, no meio de uma história de calvário, a Bíblia é uma gritaria por liberdade,  sentido e salvação...

Num mundo comum, que crentes e não crentes habitam, o que os separa é a interpretação que dão a esse mundo ambíguo. E não é pelo facto de o serem que os crentes o interpretam de uma determinada maneira, o mesmo acontecendo aliás com os descrentes ou os ateus. Pelo contrário, uma determinada interpretação é que leva à fé ou ao ateísmo, mas de tal modo que a fé, a descrença, o agnosticismo ou o ateísmo aparecem aos crentes, aos descrentes, aos agnósticos e aos ateus, respectivamente, como a melhor maneira de interpretar e dar sentido à existência e à realidade ambígua.

À maneira de apêndice, fica a pergunta, absurda, mas cujo propósito, na sua dimensão de abismo sem fundo, se entende: Se me fosse dado escolher, teria escolhido nascer, vir ao mundo? Faça-se a pergunta, pensando na Ucrânia, Gaza, África onde umas 18.000 crianças morrem todos os dias de fome ou vítimas de umas 25 guerras em curso, em Myanmar...: Quantos teriam escolhido ter nascido? 

A outra pergunta: O que se impõe para melhorar o mundo?

Etiquetas

Volver arriba