Francisco: Um líder político-moral global da estatura O contágio da esperança

Francisco el domingo de Pascua
Francisco el domingo de Pascua

Naquele fim de tarde escuro do passado dia 27 de Março, o Papa Francisco, sozinho, concentrado, em passos lentos, quase alquebrado como se transportasse aos ombros a cruz da Humanidade toda

De lá, do seu confinamento em Santa Marta no Vaticano, todos os dias está presente ao mundo, dando ânimo, esperança, apelando à co-responsabilidade mundial. Para que ninguém se sinta só

A esperança tem de ser pensada e activa, implicando uma estratégia correcta e eficaz. Assim, durante a semana, Francisco, convencido de que nos encontramos numa mudança de época, criou uma comissão de peritos, com cinco grupos, para estudar a crise económica, social e política global

"Ninguém poderá vencer a tempestade sozinho"

Naquele fim de tarde escuro do passado dia 27 de Março, quando a chuva começava a cair, o Papa Francisco, sozinho, concentrado, em passos lentos, quase alquebrado como se transportasse aos ombros a cruz da Humanidade toda, atravessou, em silêncio, uma Praça de São Pedro deserta e subiu os degraus para uma plataforma fragilmente iluminada e rezou, sozinho. Uma imagem que fica na memória de todos quantos assistiram àquela caminhada lenta, uma das imagens marcantes desta catástrofe. A apontar para a solidariedade mundial de todos e para a esperança. E disse: “Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair da noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem; pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos.” Aludindo à imagem do Evangelho, acrescentou: “Fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda”.

Constatando que “nos demos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados, mas ao mesmo tempo importantes e necessários”, continuou, sublinhando o que desde a deflagração da pandemia tem sido uma constante sua: “Somos todos chamados a remar juntos, todos carecidos de encorajamento mútuo.” “Estamos juntos neste barco”, ninguém poderá vencer a tempestade sozinho, “só conseguiremos todos juntos”. E incutiu esperança e abençoou o mundo: “Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus.”

Uma mensagem histórica 

De lá, do seu confinamento em Santa Marta no Vaticano, todos os dias está presente ao mundo, dando ânimo, esperança, apelando à co-responsabilidade mundial. Para que ninguém se sinta só. Na homilia do Domingo de Ramos, mais uma vez, apelou à solidariedade, lembrando concretamente os mais sós: “Quando nos sentimos encurralados, quando nos encontramos num beco sem saída, sem luz, quando parece que nem Deus responde, lembremo-nos de que não estamos sozinhos.” E foi ao essencial, quando a Humanidade no meio desta pandemia é obrigada a deixar o supérfluo: “O drama que estamos a atravessar impele-nos a levar a sério o que é sério, a não nos perdermos em coisas de pouco valor, a redescobrir que a vida não serve, se não for para servir. Porque a vida mede-se pelo amor.” Aos jovens deixou esta mensagem: “Queridos amigos: olhai para os verdadeiros heróis que vêm à luz nestes dias: não são aqueles que têm fama, dinheiro e sucesso, mas aqueles e aquelas que se oferecem para servir os outros. Senti-vos chamados a arriscar a vida.”

No Domingo de Páscoa, há 8 dias, deixou uma mensagem histórica, pensando já no que é preciso e urgente para o futuro próximo. Uma mensagem própria de um líder político-moral global, pronunciada excepcionalmente, como não acontecia desde 1947, a partir do interior da Basílica de São Pedro e não da varanda frente à Praça. Para a sua síntese, inspiro-me na exposição esquemática do jornal “La Croix”.

Dedicada em larga medida à crise causada pela Covid-19, incentivou o mundo, “oprimido pela pandemia, ao contágio da esperança.” A ressurreição de Cristo não é “uma fórmula mágica que faz desaparecer os problemas, mas a vitória do amor sobre a raiz do mal.” E lembrou em primeiro lugar as vítimas do coronavírus, “os doentes, os que morreram, e as famílias que choram o desaparecimento dos seus entes queridos, aos quais por vezes não puderam sequer dizer um último adeus”.

Francisco el Domingo de Pascua

Pediu para não esquecer aqueles que esta pandemia torna ainda mais vulneráveis: “os idosos e as pessoas sós, os que trabalham nas casas de saúde, os que vivem nas casernas ou nas cadeias”. Uma palavra especial, “pedindo força e esperança” para os médicos e enfermeiros, auxiliares, todo o pessoal de saúde, “que em toda a parte oferecem ao próximo um testemunho de atenção e de amor até ao limite das suas forças e muitas vezes até ao sacrifício da sua própria saúde”. Exprimiu-lhes a sua “gratidão”, a eles e “aos que trabalham assiduamente para garantir os serviços essenciais”, e ainda aos polícias e militares que “contribuíram para aliviar as dificuldades e os sofrimentos da população.”

Encorajou os governos “a empenhar-se activamente a favor do bem comum dos cidadãos, fornecendo os instrumentos e os meios necessários para permitir a todos levar uma vida digna e para favorecer, quando as circunstâncias o permitirem, a retoma das actividades quotidianas habituais”.

Porque “este tempo não é o tempo da indiferença, todos devem estar unidos para enfrentar a pandemia”, e fazer o necessário para que não se agrave a situação dos que já carecem de alimentos, medicamentos e assistência de saúde.

E pediu um alívio das sanções internacionais, “que impedem os países que as sofrem de dar um apoio conveniente aos seus cidadãos” e a redução ou até pura e simplesmente o perdão da “dívida que pesa sobre os orçamentos dos mais pobres.”

Porque “este tempo não é o tempo dos egoísmos”, dirigiu uma palavra veemente sobre e para a União Europeia, que nestas últimas semanas não brilhou particularmente pela sua solidariedade. Sublinhando que “do desafio do momento actual dependerá não só o seu futuro, mas o do mundo inteiro”, lembrou “o espírito concreto de solidariedade que lhe permitiu ultrapassar as rivalidades do passado” a seguir à Segunda Guerra mundial, sendo imperioso que “estas rivalidades não ganhem novo vigor”. E preveniu: “A alternativa é o egoísmo dos interesses particulares e a tentação de um regresso ao passado, com o risco de expor a uma dura prova a coabitação pacífica e o desenvolvimento das próximas gerações”.

Porque “este tempo não é o tempo das divisões”,apelou a “um cessar fogo mundial e imediato em todas as regiões do mundo”, citando nomeadamente a Síria, o Iémen, o Iraque, o Líbano, a Terra Santa, a Ucrânia e os “ataques terroristas perpetrados contra tantas pessoas inocentes em diversos países de África”, e desejou que “os capitais enormes” para o armamento “sejam utilizados para cuidar das pessoas e da melhoria das suas existências”.

Porque “este não é o tempo do esquecimento”, fez votos “para que a crise que enfrentamos não nos faça esquecer outras emergências que trazem consigo o sofrimento de muitas pessoas”, citando as “graves crises alimentares” na Ásia e na África, mas também a situação dos migrantes “que vivem em condições insuportáveis, especialmente na Líbia e nas fronteiras entre a Grécia e a Turquia, a que juntou especificamente a ilha de Lesbos, e a Venezuela.

E concluiu: “Indiferença, egoísmo, divisão, esquecimento não são propriamente as palavras que queremos ouvir neste tempo. Queremos bani-las para sempre!”.

A esperança não se pode confundir com wishfull thinking

Ela tem de ser pensada e activa, implicando uma estratégia correcta e eficaz. Assim, durante a semana, Francisco, convencido de que nos encontramos numa mudança de época, criou uma comissão de peritos, com cinco grupos, para estudar a crise económica, social e política global, já presente e que se agravará na sequência deste flagelo pandémico, e qual o contributo que a Igreja pode e deve dar a nível local e universal.

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