"Lembrar" A festa do banquete

La última cena
La última cena Juan de Juanes

"Não é verdade que uma das alegrias grandes que podemos conceder-nos é oferecer um almoço ou um jantar, pelo simples prazer de estarmos juntos? Será possível imaginar uma festa - um casamento, um aniversário, um reencontro - sem um banquete, por mais simples que seja?"

"Jesus, antes de ser condenado à morte, ofereceu uma refeição de despedida. E os cristãos, ao longo dos tempos, deviam reunir-se, lembrando-se dele e da sua causa, que é a causa dos seres humanos, isto é, a liberdade, a dignidade, a igualdade, a felicidade, a alegria, a fraternidade entre todos os homens e mulheres"

"Na Eucaristia, os cristãos recordam-se do que Jesus é e fez. Assim, lembram-se também do que eles próprios são e devem ser e fazer. E anunciam, desde já, o futuro: celebram a esperança do que há-de vir: a vida eterna"

"Os católicos não crêem na presença físico-coisista de Cristo, mas na sua presença espiritual, dando o seu Espírito de Vida, de Amor, de Paz: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Isso tem de ter consequências na vida"

É surpreendente que o austero Immanuel Kant, um dos pensadores maiores de todos os tempos, autor da moral do imperativo categórico, tenha deixado na sua Antropologia um belo texto sobre as regras de uma refeição agradável em boa companhia. Não é saudável, mesmo para o filósofo e sobretudo para o filósofo, escreve ele, comer sozinho.

El viaje de tus sueños, con RD

É que o objectivo da celebração de uma refeição não deve ser tanto a satisfação corporal (portanto, comer em ordem à sobrevivência física) - isso podia fazê-lo cada um por si mesmo - quanto o prazer de estar juntos. Daí que sublinhe permanentemente o imperativo do respeito mútuo. "De facto, escreve, mesmo sem prévio pacto expresso, todo o banquete tem uma certa sacralidade". A conversa deve ser mantida em bom ritmo, de tal modo que a refeição termine, "como num concerto, no meio da alegria geral e assim seja tanto mais salutar; como naquele banquete de Platão, do qual o convidado dizia: ‘As tuas refeições não agradam só enquanto se saboreiam, mas também sempre que se pensa nelas'". E os amigos, sempre que se reencontram, avisam: “havemos de repetir”.

El Banquete de Platón (I): verdad y goce – Luis Felip

Não é verdade que uma das alegrias grandes que podemos conceder-nos é oferecer um almoço ou um jantar, pelo simples prazer de estarmos juntos? Será possível imaginar uma festa - um casamento, um aniversário, um reencontro - sem um banquete, por mais simples que seja?

Por surpreendente que pareça, há um feriado nacional em Portugal que tem a ver com um banquete, a Última Ceia de Jesus Cristo. Jesus, que escandalizou os contemporâneos, pois comia com mulheres consideradas pouco recomendáveis e os pecadores públicos, antes de ser condenado à morte, ofereceu uma refeição de despedida. E os cristãos, ao longo dos tempos, deviam reunir-se, lembrando-se dele e da sua causa, que é a causa dos seres humanos, isto é, a liberdade, a dignidade, a igualdade, a felicidade, a alegria, a fraternidade entre todos os homens e mulheres.

Quando os cristãos se reúnem para a celebração da Missa ou da Ceia do Senhor, partilham o pão e o vinho. Na nossa cultura mediterrânica, o pão e o vinho são dois símbolos fundamentais. O pão quer dizer força, vida, o vinho simboliza festa e alegria. Quem convida para essa festa é o próprio Jesus Cristo. Ele oferece pão e vinho. E, segundo a mentalidade oriental, quem oferece uma refeição oferece sobretudo a sua presença. Assim, os cristãos, quando se reúnem para lembrar a Última Ceia de Jesus, acreditam que Ele está presente. Mas discutir o modo dessa presença só pode levar a becos sem saída, como é sabido pela História. O decisivo é reunir-se, ouvindo e cumprindo o único mandamento de Cristo: sede bons uns para os outros, amai-vos uns aos outros como eu vos amei. O amor vence a morte.

"O decisivo é reunir-se, ouvindo e cumprindo o único mandamento de Cristo: sede bons uns para os outros, amai-vos uns aos outros como eu vos amei. O amor vence a morte"

Lembrar. Se, neste instante, perdesse a memória, não perdia apenas o passado. De facto, uma vez que já não saberia quem sou, ao perder a memória, perdia não só o passado, mas também o presente e o futuro. O animal vive da imediatidade do presente. O ser humano, esse, conjuga os verbos no passado, no presente e no futuro. Pela memória, sabemos que vimos de um passado, pela atenção, damos por nós no presente, pela expectativa, pela esperança, projectamo-nos no futuro. E é integrando o passado, o presente e o futuro, que nos vamos erguendo, na procura de uma identidade sempre a caminho. 

Açores: Povoação vai viver solenidade do Corpo de Deus em festa espiritual  com convite à caridade - Agência ECCLESIA

Por estranho que pareça, isto tudo vem, mais uma vez, a propósito da festa que a Igreja Católica celebra: a festa do Corpo de Deus, festa que nos remete para a Eucaristia e, em linguagem mais comum, para a Missa. Aos Domingos, muitos cristãos continuam a ir à Missa. O que é que lá se vai fazer? Diria que fundamentalmente lembrar, recordar. Na Última Ceia, Jesus, abençoando o pão e o vinho, que significam a sua entrega por amor a todos, disse: “Fazei isto em memória de mim”. Na Eucaristia, os cristãos recordam-se do que Jesus é e fez. Assim, lembram-se também do que eles próprios são e devem ser e fazer. E anunciam, desde já, o futuro: celebram a esperança do que há-de vir: a vida eterna. Deste modo, não é totalmente destituído de sentido que muitos que nem eram praticantes habituais, quando morrem, queiram uma Missa: porque nela se celebra a memória do futuro..., a esperança da salvação. Um funeral de alguém, no contexto cristão, é a celebração da sua morte e ressurreição.

A festa do Corpo de Deus. É impressionante: festa do Corpo de Deus. Quem imaginaria? A pergunta então é: celebra-se o Corpo de Deus, e depois despreza-se o corpo? A festa do Corpo de Deus tem de ser também a festa do corpo humano, que é corpo vivo, que sente, corpo que deseja, que pensa, que quer, que ama, corpo que diz eu, que é esperante,  até espera para lá da morte...

"'Amai-vos uns aos outros como eu vos amei'. Isso tem de ter consequências na vida"

Na festa do Corpo de Deus, há quem pergunte se os católicos acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia. A resposta é sim. Mas é preciso distinguir entre a presença física e coisista e a presença real pessoal. Por exemplo, um homem e uma mulher, pela relação sexual, estão fisicamente presentes, mas, se não houver amor, estão realmente ausentes enquanto pessoas. Porém, até pode acontecer que, por qualquer motivo, tenham de estar fisicamente ausentes, mas se há amor, continua a presença real entre eles. Os católicos não crêem na presença físico-coisista de Cristo, mas na sua presença espiritual, dando o seu Espírito de Vida, de Amor, de Paz: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Isso tem de ter consequências na vida.

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