Mães e avós: sustento e garantia da sociedade

Maria Clara Lucchetti Bingemer
15 ene 2019 - 16:25

Em meio ao conjunto de contrassensos em que se transformou o cenário

brasileiro às vésperas das eleições, o universo das mulheres atrai a atenção. São

potencial eleitoral respeitável e inimigas a temer.

É fato que em muitos países a participação política feminina tem sido decisiva

para mudar contextos, transformar mentalidades e, inclusive, obter vitórias

importantes. Não seria demais lembrar o grande movimento das mães da Praça de

Maio que, caminhando em círculos silenciosamente, todos os dias, com um pano

branco sobre a cabeça, ajudaram a desestabilizar a cruel ditadura argentina.

Entre nós, neste momento, a atitude de alguns candidatos com mulheres tem

sido particularmente eivada de machismo e preconceito. Algumas vezes têm chegado

às raias do insulto. Como o candidato que disse a uma colega do Congresso Nacional

que não a estupraria porque ela não o merecia. O (mesmo) candidato atalhou com

particular impaciência e grosseria outras mulheres que o entrevistaram ou apartearam,

ou dele discordaram. Igualmente foram feitos comentários em discursos ou entrevistas

de que era muito normal e até mesmo desejável que a mulher ganhasse um salário

menor do que o do homem.

Tudo isso provocou a indignação das mulheres que, em tempos de feminismo

já para além da terceira onda e numa sociedade onde a questão do gênero é central,

não admitem mais ouvir semelhantes barbaridades. Porém, o que mais tem

provocado estupefação e indignação são as recentes declarações de um candidato a

vice-presidente.

Declarou o candidato que famílias onde falta a presença masculina e paterna, e

onde as crianças são criadas pelas mães e avós produzem filhos e netos

desajustados, que se tornam presa fácil para o tráfico e a criminalidade. Questionado

posteriormente o candidato reafirmou suas declarações, desta vez acrescentando que

sua intenção não era depreciar as mulheres, mas defendê-las, devido às duras

condições em que são obrigadas a viver.

Parece-me muito positivo que o candidato se preocupe com a situação das

mulheres que não recebem do estado creches e condições adequadas para deixar

seus filhos a fim de poderem trabalhar. Em sua análise, porém, falta um detalhe: a

solidariedade dessas mulheres entre si. Ao partir para o trabalho, são ajudadas pelas

vizinhas, amigas e conhecidas, que tomam conta de seus filhos pequenos.

Ao chegar em casa, as mulheres que trabalharam o dia inteiro resgatam seus

filhos da casa onde se encontram, lhes dão de comer e à noite ainda participam de

reuniões de comunidade, de igreja ou clubes de mães. Por sua vez, aquelas que se

responsabilizaram pelas crianças durante a jornada de trabalho das mães continuarão

prontas a ajudar sempre que necessário. E assim se forma a rede de solidariedade

feminina, condição fundamental para que a sociedade – e em termos maiores, a

humanidade – possa crescer e desenvolver-se sem estar condenada a uma extinção

prematura.

Até o presente momento, caro candidato, os homens têm, sim, sido ativos na

reprodução da espécie, mas não em sua conservação. Muitas vezes engravidam as

mulheres e se vão, em busca de outras experiências, sobretudo mais novas. As mães

permanecem. E criam os filhos, enfrentando todas as dificuldades, dispostas a

defender as crias e tirar o pão da boca para alimentá-las.

Nesta tarefa têm sido muito ajudadas. Por quem? Pelos homens? Não

exatamente. Por outras mulheres, mais velhas, que foram as que as criaram e jamais

delas desistiram. É a cadeia imortal e milenar da maternidade, que se mantém ativa e

dinâmica, gerando, nutrindo e protegendo a vida.

Perdi meu pai com nove anos de idade, fui criada por minha mãe e minha

avó. Juntas formaram o marco de ternura e vigor que me constituiu como

pessoa. Ambas foram meus exemplos e guias na vida. Embora sentindo, sim, muita

falta de meu pai, não resultei desajustada e disfuncional.

A razão pela qual as famílias mais pobres hoje em dia perdem tantas vezes

seus filhos para o tráfico não é o fato de terem mulheres como chefes e cabeças. E

sim a pobreza e a injustiça em si mesmas. É um contexto opressor que não deixa

saídas aos jovens, que não lhes apresenta oportunidades, que lhes rouba a

esperança. Dentro desse quadro sombrio, muitas vezes o tráfico e a criminalidade

conseguem lançar sua mão mortal sobre eles. Mas outras vezes não. E quando não

conseguem, é quase sempre porque houve em suas origens uma mãe e uma avó para

dar carinho, para estar presente, para dar vida ao preço da própria vida.

Não culpe, por favor, as mulheres pela violência que vitima cruel e

maciçamente nossa juventude. Culpe as estruturas injustas que geram miséria e

violência, e que a política teria a obrigação de ajudar a transformar. Nesta missão,

sempre poderá contar com o concurso das mulheres. São elas as primeiras

interessadas em construir um mundo mais humano para as novas gerações que

gestaram em seus ventres.

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