Marielle Franco: o poder de uma vida

Maria Clara Lucchetti Bingemer
10 may 2024 - 20:18

Quem tem medo de Marielle Franco? Essa parece ser a pergunta que

voltou a ressoar aos ouvidos do Brasil de hoje após um tempo longo demais

de silêncio grávido e pesado. O estampido dos quatro tiros que interrompeu

a vida da jovem vereadora do Rio de Janeiro e os três que atingiram seu

motorista Anderson Gomes se faz ouvir novamente, perfurando desta vez

os ouvidos moucos que insistiam em não escutar afirmações que se iam

impondo sempre mais fortemente sobre o caso cuja solução fora apenas

parcial e incompleta.

Agora surge nova narrativa que vem abrir outra parte de um cenário

que se adivinhava, mas ao qual faltavam elementos para afirmar. E o

depoimento promete, porque anuncia direções e pistas com as quais talvez

não se contasse na difícil elucidação do caso, em suas raízes mais antigas,

ou seja: as cabeças que decidiram o assassinato, arquitetado e

minuciosamente planejado.

Um ano depois do crime – portanto em 2019 - a Polícia chegou a

prender dois acusados de executar o crime. São eles: o policial militar

reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio de Queiroz. Ambos

teriam envolvimento com grupos de milícia. Mas os mandantes não foram

identificados até o presente momento.

No entender da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de

Marielle, cinco anos é um tempo mais do que longo para elucidar um caso

como este. Isso só demonstra como foi cuidadosamente arquitetado,

planejado em todos os detalhes. A localização do crime, em uma rua escura

e deserta; o horário, noturno e tardio; a não proteção das vítimas, que

transitavam sem segurança e foram pegas de surpresa, segundo

depoimento da assessora da vereadora Marielle, Fernanda Chaves.

Depois do choque da notícia, que provocou manifestações de

indignação e protesto no Brasil e no mundo inteiro, as investigações

correram sob sigilo. Não se conseguia acompanhar o ritmo delas. Os

responsáveis pela condução do processo foram mudados uma e outra vez o

que, junto com a experiência dos suspeitos presos – dois ex-policiais que

sabem como se desenrola uma investigação – tornavam a apuração dos

fatos ainda mais difícil.

Recentemente, Elcio de Queiroz resolveu falar. E seu depoimento

espalhou suspeitas sobre vários personagens do mundo policial e político

brasileiros que indicam que ainda há muita investigação a fazer neste

caso. Mas é alentador ver que se está prosseguindo na tentativa de

identificar todos os mandantes e o motivo do assassinato. A reparação de

uma injustiça é sempre uma lufada de ar puro e purificador no horizonte da

vida.

Até aqui seria mais um caso de crime não solucionado como há

tantos outros. O que traz de diferente o fato de a investigação do

assassinato de Marielle Franco estar novamente sob os holofotes e

revelação de movimentos antes ignorados?

Creio que a resposta está na própria pessoa de Marielle e de seu

entorno: sua família, sua vida, seu testemunho, sua história. A jovem

vereadora de sorriso ensolarado e radiante é uma figura símbolo de

inúmeras vítimas de injustiça em nosso país: mulher, negra, sexualidade na

categoria de “diversidade sexual”. Ao mesmo tempo é alguém que mesmo

morta continua viva. Viva pelo que é, pelo que fez e ainda faz. Viva

porque a morte não anulou seu poder de fazer vibrar corações e mobilizar

consciências.

Viva na história e brutalmente assassinada e empurrada

prematuramente para fora da história. Marielle continua viva em

Deus. Não significa que está viva “em outro plano” , não sendo mais por

nada atingida e não alcançando nada mais neste mundo. Os vivos em

Deus estão mais vivos que muitos que se consideram vivos e são nossos

companheiros de existência. E o poder de seu testemunho e legado é como

um vento que movimenta a história e a faz tornar-se eloquente como

nunca.

Desde que novos fatos foram despejados pela boca de um dos

suspeitos de seu assassinato, a história do Brasil espera, atenta e

vigilante. E aguarda que seja escrito um novo e fundamental capítulo de

seu transcurso.

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