Olho por olho: a cegueira universal

Maria Clara Lucchetti Bingemer
10 may 2024 - 20:19

Os corações de todos que ainda são humanos pulsam e choram por causa do que

acontece em uma franja de terra no Oriente Médio. Um ataque a pessoas pacíficas

que levavam sua rotina em casa, ou a jovens alegres que dançavam em uma rave se

transformou em horror. As vítimas continuam sendo contadas e os reféns são

buscados e esperados com angústia agônica quanto mais passam os dias e o silencio

é o único som ao redor.

A ofensiva não ficou sem resposta. E a espiral do conflito foi desencadeada e nada

parece detê-la. Pelo contrário só faz crescer. Toma proporções inter-regionais,

internacionais. O conflito é discutido, por chefes de estado, estudantes e professores,

autoridades civis e religiosas. Quem sobrevive no local sofre: falta água, comida,

segurança...e sobretudo paz. O que é mais desejado é o que parece mais distante.

A dor é o único sentimento que predomina e impregna o ar. Pode ser apalpada nos

gritos inconsoláveis das mães que enterram seus filhos, das crianças cujos pais

desaparecem e se veem sozinhas, nos anciãos perplexos que ainda não entendem o

que está acontecendo. Apenas padecem o horror da guerra que não querem nem

desejam e que lhes é imposta dia após dia.

Em meados do século XX uma jovem filósofa francesa chamada Simone Weil quis

sentir em seu corpo os horrores da guerra e alistou-se na coluna Durruti, na guerra

civil espanhola. Sua experiência foi tão traumática que por ela jamais foi esquecida.

Depois foi obrigada a fugir de Paris ocupada pelos nazistas para salvar a vida dos

pais, judeus que certamente seriam deportados ao campo de extermínio se ali

permanecessem.

Seu maior desejo era voltar e lutar ao lado dos aliados contra o nazismo. Não

conseguiu entrar de novo na França e morreu na Inglaterra. Porém deixou inspiradas e

profundas páginas sobre a guerra. Afirmou e escreveu que jamais uma guerra pode

ser considerada justa. Pois, em toda guerra, por mais justa que seja a causa do

vencedor, por mais justa que seja a causa do vencido, o mal que faz seja a vitória,

seja a derrota, não é menos inevitável. Esperar escapar disso é proibido.

Em meio à violência conflagrada e deflagrada, só existem perdas e ninguém ganha. A

verdade está obscurecida pela dor e pelo sangue e ninguém pode enxergar

adequadamente, preocupado que está em sobreviver a qualquer preço, ainda que este

preço sejam vidas alheias.

O que o mundo vive nos últimos dias é a profecia dita pelo Mahatma Gandhi: “Olho por

olho deixa o mundo inteiro cego.” Cego daquela cegueira que não reconhece o que

tem pela frente. Cego porque não percebe a destruição que gera em sua sede de

violência e nem se preocupa como vão viver as gerações que nascerão em meio aos

escombros e às cinzas. Cego porque só lhe importa o triunfo do agora e pensando

enxergar, na verdade está submerso na cegueira da razão e do coração.

Neste momento as bombas continuam a cair na franja de terra tão golpeada,

dilacerada entre ataques, revides, novos ataques e armas. E os corações daqueles

que empunham armas para atacar ou para se defender sob ordens de outros que não

as empunham desejam paz. E os sobreviventes que contemplam o que restou dos

seres amados desejam também paz.

Que venha a paz, não a que é ausência de guerra, mas sim fruto do desejo de vida. A

que limpa e abre os olhos, curando a cegueira. A que acredita no amanhã quando vão

poder crescer as crianças e os anciãos chegarão ao fim dos seus dias rodeados do

carinho de seus familiares. A que se alimenta de trabalho e afeto, pão e beleza. A que

aceita recuar para que todos cresçam. A que ultrapassa as simetrias para que o

mundo inteiro não padeça da cegueira mortal onde a luz não penetra. A que

reconhece que a guerra jamais é justa, pois a justiça anda de mãos dadas com a paz

e não floresce em meio à violência e à agressão.

Que venha a paz, sem vencedores nem vencidos. A paz onde a vitória é a da vida de

muitos e de todos.

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