Partidas e chegadas

Maria Clara Lucchetti Bingemer
10 may 2024 - 20:10

O ano vai acabando com tristezas e alegrias. Partiu a fantástica escritora e acadêmica

Nélida Piñon. Além de mulher de letras inspirada e fecunda, foi a primeira a presidir a Academia

Brasileira de Letras e até hoje mantinha intensa atividade no mundo da cultura brasileira e

também ibérica. A conexão entre sua Espanha Natal e o Brasil era um ponto constante e

importante de sua agenda.

Além disso, Nélida constituía uma quase unanimidade. Jamais encontrei alguém que não

a admirasse e estimasse. Doce, próxima, alegre, presença agradabilíssima e enriquecedora em

qualquer ambiente, tinha uma incontável legião de amigos e admiradores. Partiu

inesperadamente, em Lisboa, onde se encontrava. E deixa um vazio grande em termos humanos

e literários.

Fica conosco o legado de sua alegria e esperança. Nélida já havia tido um encontro

próximo com a morte há alguns anos. Felizmente o diagnóstico que lhe foi dado não se

concretizou e pudemos contar com ela novamente entre nós por mais tempo. Desde aí, segundo

seu próprio testemunho, passou a ver a vida de outra maneira e por outro ângulo. E isso a fez

ainda mais profunda e adorável.

Mas esse fim de ano também celebra chegadas. Uma delas aconteceu ontem. A tão

esperada Copa do Mundo voltou para as mãos da América Latina após vinte anos. A orquestra

do time albiceleste foi dirigida com genialidade pelo maestro Leonel Messi, que também traz

consigo a marca da unanimidade. Não há quem não admire seu talento, sua força em

campo. Sobretudo admirável é sua capacidade de unir o time e fazê-lo trabalhar como

realmente uma equipe.

Messi não faz questão de “assinar” seus gols. Com tranquilidade e alegria leva a bola aos

pés dos companheiros para que eles finalizem a jogada. Consola um, anima outro, insiste no

esforço. Traz em si, além do talento do jogador e da disciplina do atleta, a marca do verdadeiro

líder. A equipe por ele capitaneada teve um belo desempenho e mereceu a taça que levantou

após longo jejum. Parabéns, Argentina!

Tomara que a chegada dessa vitória entre tantas derrotas do país da albiceleste, assim

como de todo o continente, nos deixe algumas lições. A primeira seria o desprendimento que

exige trabalhar em equipe. Não importa quem marca o gol, importa que o gol seja marcado

ainda que não por mim e a equipe triunfe. Importa a união que faz realmente a força, como diz

o ditado popular. A combalida e fragmentada Argentina, dividida em polarizações várias, com

a inflação pelas alturas, que luta por maior justiça e paz, hoje canta feliz com a vitória da sua

seleção. Que a beleza desse triunfo possa se refletir na sociedade do país vizinho.

Quanto a nós, vizinhos mais ao norte, temos também lições a levar para casa após esta

Copa do Qatar. Esqueçamos por um momento a tradicional rivalidade em campo entre os dois

países. Após a sofrida derrota nas quartas de final, o Brasil poderia aprender bastante com a

seleção do país ao sul. Espera-se para o futuro uma seleção mais focada em disciplina e

desempenho, sem tanta frivolidade. Queremos atletas e não celebridades. Não se pretende

aqui generalizar injustamente, apenas apontar algo que apareceu desta vez e que seria bom que

mudasse para o futuro próximo.

O mesmo acontece em nível do país. Neste momento de transição de governos, onde

as disputas por cargos se veem ferozes e devoradoras. A impressão é de que o que menos

importa é o bem do país e a integração de forças para conseguir reconstruí-lo. Interesses

individuais e partidários se atravessam no caminho daquilo que poderia ser uma bela e rica

reconstrução nacional. Não importa quem faz que gol. Importa que o placar seja cheio de gols

diversos e convergentes para um futuro promissor.

A grande chegada deste período ocorrerá, porém, daqui a alguns dias. Temos vivido sua

espera, sua preparação, e sobretudo seu ardente desejo. Vamos celebrar o Natal que nos diz

que quando nem nós acreditamos mais em nós mesmos, Deus continua apostando nessa

humanidade torta, mas ao mesmo tempo tão bela que somos e que sai constantemente de Suas

mãos.

O Menino vai chegar. Belo . Como diz João Cabral de Melo Neto: “...tão belo como um

sim/numa sala negativa.../... Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia/ é tão belo

como as ondas em sua adição infinita./ Ou como o caderno novo/ quando a gente o principia./...E

belo porque o novo/ todo o velho contagia...Belo porque corrompe/com sangue novo a

anemia./...Infecciona a miséria/com vida nova e sadia.”

También te puede interesar

Lo último

stats