Vinde Espírito Santo

O movimento carismático e pentecostal, a percepção da presença do Espírito Santo e
o surgimento de novas igrejas diferentes em forma, conteúdo e espiritualidade das igrejas
cristãs históricas é um fato que merece a atenção do mundo inteiro.

Vivemos, sobretudo no Ocidente, que sempre apresentou uma pneumatologia acanhada, um verdadeiro Tempo doEspírito. No entanto, esse eclodir do carismatismo pneumatológico deste lado do mundo não
deixa de apresentar ambiguidades e questionamentos.

Deste lado do mundo, ou seja, no Ocidente cristão (Europa Ocidental e América), a
pessoa do Espírito Santo ficou durante longo tempo um tanto esquecida
, e mesmo deixada de
lado. O Cristianismo ocidental configurou-se após o século IV e até o século XX por uma
primazia quase absoluta do Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade, chegando às raias
de um cristomonismo. Por outro lado, a pneumatologia oriental cresceu e desabrochou
ricamente, dando a toda a teologia do Oriente cristão (Europa do Leste, Península Balcânica e
Oriente Médio) uma configuração trinitária, onde pneumatologia e cristologia harmoniosamente
dialogam e se entrelaçam, sobretudo na comunidade eclesial.

Importa, então, refletir sobre este fenômeno, procurar resgatar suas raízes e analisar
suas consequências. Sobretudo num tempo como o nosso, quando o movimento carismático
cresce de maneira importante na Igreja do Ocidente
, fazendo acontecer o pentecostalismo que
quase chega por vezes a um pneumatomonismo. Vivemos, hoje, nas igrejas cristãs do
Ocidente – católica ou protestantes - o risco de que a espiritualidade e a pastoral sejam
marcadas por uma primazia quase absoluta do Espírito Santo, o que deixaria na sombra as
outras duas pessoas divinas, e sobretudo a espessura histórica e encarnada da pessoa do
Filho e o compromisso concreto que daí resulta.

Este fato gera outras consequências teológicas e também pastorais. Uma delas é um
declinar, nas igrejas, da ligação entre experiência do Espírito e compromisso histórico. Em
outras palavras, entre espiritualidade e prática. Igualmente categorias como a centralidade da
história, a opção pelos pobres e o binômio inseparável fé-justiça, que marcou a teologia pósconciliar
não só da América Latina mas do mundo inteiro, deixa de estar à frente da pastoral
das igrejas cristãs.

Em seu lugar, surge a chamada “teologia da prosperidade”, que relaciona experiência
de Deus e enriquecimento, sendo adotada por pastores que muitas vezes a impõem aos fiéis
de maneira coercitiva e violenta. Esta teologia encontra seu canal de expressão em liturgias
muitas vezes bastante exteriorizantes, com grande “ruído” e igual agitação, inclusive sem
permitir às celebrações fornecerem aos fiéis espaço de oração e reflexão onde o coração
possa sentir e a razão pensar. Até mesmo autores que vêem a positividade presente no
movimento carismático em geral são críticos sobre esses pontos da agitação espiritual, da
tomada de posse da liturgia e da desconexão com a realidade e a transformação da mesma.

Os tempos que vivemos são, sim, tempos do Espírito. Porém, ao lado da riqueza que
nos trouxeram os movimentos carismáticos que reivindicam para si e sua atuação a primazia
da Terceira Pessoa da Trindade, encontramos muita ambiguidade. Por isso, esses tempos do
Espírito, há que vivê-los no contínuo discernimento.


Por isso é importante voltar sempre e constantemente à 1a carta de João, capítulo 4, vv 1
ss: "Amados, não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já
muitos falsos profetas se têm levantado no mundo." Discernir é preciso, ainda que as alegres e ruidosas celebrações carismáticas encham os ouvidos e os espaços; ainda que seja
indispensável maior atenção à pneumatologia; ainda que os tempos plurais que hoje vivemos
sejam propícios a uma importância maior da reflexão sobre o Espírito.

Perceber nos “sofrimentos do tempo presente” e em nossos próprios gemidos os
“gemidos inefáveis” do Espírito (Rom 8,18.23.26) é a condição da verdadeira espiritualidade
cristã. A espiritualidade cristã assim entendida é incontrolável pela teologia, que dela deve
aprender a experiência de Deus que é Pai, Filho e Espírito. Com a “retração” da morte e
ressurreição de Jesus, é o Espírito que habita em nós o responsável pelo reconhecimento da
presença do Messias em nós.
E isso implicará aderir de todo coração a esta presença, não
apenas na catarse obtida na afetividade exacerbada, mas na obediência humilde e provada
que se dá pelas dificuldades da caminhada e pelo sofrimento inexplicável nosso e alheio.
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