A difícil arte do encontro

Maria Clara Lucchetti Bingemer
16 ene 2019 - 22:39

Após as eleições, paira no ar uma sensação de depressão pós-parto. Tanto

em vencedores como em vencidos. Os que tiveram seus candidatos eleitos esperam

preocupados como se delineará a governabilidade. Os primeiros gestos, decisões,

semeiam mais insegurança que firmeza. Desconcertam, angustiam. Parece que não

se entende os rumos de um tempo diferente com outro estilo que começa.

Os que foram derrotados nas urnas se dividem. Alguns optam pela

oposição, resistência e combate cerrados. Outros preferem esperar para verificar,

pagar para ver ou até deixar que o adversário vencedor fracasse e mostre sua

verdadeira cara. Apostam que a governabilidade inexistirá e então a incompetência de

uma vitória indevida mostrará sua verdadeira face de ilegitimidade e incapacidade de

responder aos desafios e responsabilidades concedidos pelas urnas.

Em todo caso, o que temos é um país dividido, desencontrado. Famílias se

indispuseram ou até, em alguns casos, cortaram relações entre seus

membros. Amizades de anos foram interrompidas e palavras de acusação e raiva

pronunciadas onde antes reinava harmonia e companheirismo. Relações foram

perdidas e parece muito difícil refazê-las. Em suma, o panorama nacional mostra um

tremendo desencontro.

Enquanto isso, o papa Francisco fala da importância de construir uma cultura

do encontro. Não se trata certamente de um discurso piedoso e fácil adotado pelo

pontífice para dizer a todos que se amem e respeitem sem nenhuma dificuldade ou

obstáculo. Longe disso. Para o papa, a cultura do encontro é um estilo de vida e uma

atitude, fruto de uma experiência e um itinerário pessoal, agora proposta à Igreja e à

sociedade como um todo.

Diante da cultura do fragmento, da desintegração e da divisão é importante,

afirma o pontífice, não favorecer os que pretendem capitalizar o ressentimento, o

esquecimento das relações vividas e desfrutadas, ou os que se deleitam em debilitar

vínculos e laços. Esse seria, a seu ver, o caminho para superar os desencontros que

sucedem na sociedade.

Tão importante é a construção da arte do encontro, que antes mesmo de

Bergoglio o poetinha maior de nosso país, Vinicius de Moraes, disse: “A vida é a arte

do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Com sua imensa

sensibilidade, queria o poeta ressaltar algo que é constitutivo e visceral no ser

humano: sua vocação para a relação, para o afeto, o amor, aquilo que configura e

realiza o que chamamos encontro.

Assim também parece entender o papa. Quando ainda era arcebispo de

Buenos Aires, Argentina, várias vezes se empenhou em instar a seus compatriotas a

superar os desencontros e refundar os vínculos sociais, políticos, na abertura e na

esperança. Agora, desde o Vaticano, onde lidera a Igreja e fala também ao mundo,

Francisco não se cansa de repetir esse convite, que consiste em abrir-se à alteridade

do outro, aproximar-se, vincular-se, construindo com esperança uma nova

mentalidade, um novo estilo de vida, uma nova cultura, onde seja possível o encontro,

o diálogo e a comunhão.

Há que admitir que é muito difícil. A tentação do desânimo diante desta

proposta vem carregada da pesada tinta da impossibilidade. Como dispor-se ao

encontro e ao diálogo com quem parece querer conduzir o país na direção oposta

daquela em que acreditamos? Como apostar em um possível consenso com pessoas

e grupos que parecem falar outra língua, oposto idioma àquele em que acreditamos,

que detém os códigos comunicacionais da justiça, do direito, da paz e da

prosperidade?

Mais: como fazer esta busca de encontro, consenso e acordo se transformar

em verdadeira cultura, que procura o que une em lugar do que divide, e não recua

diante de nenhum gesto, atitude ou palavra que possa fazer acontecer a solidariedade

e a comunicação? É duro acreditar que isso poderá ocorrer, sobretudo quando

escrevo este artigo no momento seguinte à decisão que liquida com a presença dos

médicos cubanos no Brasil e não há como não se pensar que uma represália política

deixará na orfandade sanitária milhões de pessoas nos lugares mais pobres e

vulneráveis do país.

É duro, porém mais que nunca necessário. O encontro pode acontecer,

mesmo com dificuldade, quando há ao menos um objetivo comum. E este existe e

está diante de nossos olhos. Todos queremos o bem do país. Todos queremos o

povo brasileiro respirando com liberdade, esperança, vendo a perspectiva de um

futuro melhor para seus filhos e netos. Enrijecer-se nas divisões certamente não

ajudará o Brasil a conseguir esse objetivo.

O povo brasileiro, sempre inspirado na arte de sobreviver a toda

impossibilidade, de esperar contra toda esperança e alegrar-se mesmo e sobretudo

sem motivo algum, tem agora diante de si este desafio: tornar-se perito na arte do

encontro. Aprofundar as divisões não nos levará longe. É preciso, é urgente desarmar

espíritos e buscar possíveis consensos. Sem eliminar o respeito às diferenças, a

resistência ao que é nefasto, a denúncia do indefensável. A difícil arte do encontro

deve fazer-se ainda que em meio a esse mar de desencontros em que vivemos agora.

O Brasil merece e precisa.

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