"Andrés torres Queiruga, um dos maiores teólogos católicos vivos" A criação, a ressurreição, o mal e Deus
![Torres Queiruga](/2022/03/05/opinion/Torres-Queiruga_2429467050_15948399_660x371.png)
"Para mim, A. Torres Queiruga foi e é o teólogo que de modo mais profundo e conseguido enfrentou o cristianismo com a modernidade e a modernidade com os cristianismo"
"Não há milagres no sentido da suspensão das leis que regem a natureza. De facto, os milagres supõem o que não é pensável: um Deus "intervencionista", que está fora do mundo e que, de vez em quando e de forma arbitrária, vem dentro"
| Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia
Passados dez anos sobre um aviso — na prática, para a opinião pública, a condenação de Andrés Torres Queiruga, pelo episcopado espanhol —, vem ele, numa entrevista a “Vida Nueva”, esclarecer que a sua teologia quis ser sempre “um seviço livre ao Evangelho” e que, com o Papa Francisco, aparece, felizmente, cada vez mais como “legítima uma crítica sã e livre na Igreja”.
Retomo o que então escrevi sobre quem considero — e não sou o único — um dos maiores teólogos católicos vivos. Para mim, A. Torres Queiruga foi e é o teólogo que de modo mais profundo e conseguido enfrentou o cristianismo com a modernidade e a modernidade com os cristianismo. Deixo aí três aspectos que considero nucleares do seu pensamento.
![Andrés T. Queiruga](/2016/03/19/espana/Andres-Queiruga_1776432427_13031246_667x375.jpg)
1. Tudo aranca da fé, com razões, no Deus que cria por amor. Deus não criou por causa dEle, da sua maior honra e glória, mas apenas por causa das criaturas e da sua felicidade.
Tomada no seu sentido radical, a criação por amor, a partir do nada, implica, por um lado, a presença suma de Deus à sua criação, de tal modo que, se Ele se retirasse, tudo voltava ao donde veio, isto é, ao nada, e, por outro, a autonomia das criaturas. Assim, a ciência, a política, a economia, a própria moral, não vão buscar a sua legitimação à religião, pois devem reger-se pelas suas próprias leis.
Segue-se que, sendo tudo milagre - o que existe podia pura e simplesmente não existir -, não há milagres no sentido da suspensão das leis que regem a natureza. De facto, os milagres supõem o que não é pensável: um Deus "intervencionista", que está fora do mundo e que, de vez em quando e de forma arbitrária, vem dentro. Ora, Deus ao mesmo tempo que é infinitamente transcendente ao mundo é infinitamente presente ao mundo, e é, enquanto Anti-mal, sempre Força infinita criadora e potenciadora das possibilidades das criaturas.
2. Deste modo, torna-se inteligível o conceito fundamental das religiões, a revelação: como sabem os crentes que Deus falou? Tudo o que é autenticamente religioso é resposta humana a perguntas profunda e radicalmente humanas. O que a especifica é o facto de descobrir nela a presença viva de Deus que quer manifestar-nos o seu amor e salvação. Há uma só realidade para crentes e não crentes. O que acontece é que o crente tem a convicção de que a realidade não se esgota na sua imediatidade empírica, e essa convicção não surge porque é crente, mas porque a própria realidade, para a sua compreensão adequada, se apresenta incluindo uma Presença divina, que não se vê em si mesma, mas está implicada no que se vê.
![Libro de Queiruga](http://www.trotta.es/static/img/portadas/9788481649468.jpg)
Mediante certas características — a contingência radical, a morte e o protesto contra ela, a exigência de sentido último —, a própria realidade se mostra implicando essa Presença divina como seu fundamento e sentido último. Assim, cito, na estrutura íntima do processo religioso, "não se interpreta o mundo de uma determinada maneira porque se é crente ou ateu, mas é-se crente ou ateu porque a fé ou a não crença aparecem ao crente e ao ateu, respectivamente, como a melhor maneira de interpretar o mundo comum".
2. A fé na ressurreição de Jesus é central no cristianismo. Mas ela não é a reanimação do cadáver nem pode ser constatável pelos historiadores. Ela é real, mas não é um facto da história empírica. Se o fosse, seria constatável empiricamente e não era precisa a fé nem seria ressurreiç,ão.
Os discípulos que, como Jesus, confessavam cada dia, na Shemoné Eshré, a fé no “Deus que ressuscita os mortos” e que tinham acreditado em Jesus continuaram a crer nEle, após a sua morte, uma morte que testemuhava o que foi o centro da sua mensagem por palavras e obras: que Deus é amor. Mais uma vez, reflectindo, aprofundaram a convicção avassaladora de fé de que Jesus não morreu para o nada, mas para o interior da vida de Deus, que é a vida plena e eternal. E disso deram testemunho até à morte.
3. "Ou Deus quer tirar o mal do mundo, mas não pode, ou pode, mas não quer. Se quer e não pode, é impotente; se pode e não quer, não nos ama; se pode e quer, donde vem o mal real e porque é que não o elimina?”
![Libro de Queiruga](http://www.trotta.es/static/img/portadas/9788498791945.jpg)
Quando se considera este famoso dilemma de Epicuro, é preciso ser consequente. De facto, não é legítimo invocar o mistério de modo cego, pois não pode ir contra a razão. Que diríamos de alguém que, podendo aliviar as dores de outra pessoa, o não fizesse? Não seria um sádico?
Assim, ou há alguma falha no dilema ou só resta a alternativa do ateísmo. O que falha é o pressuposto de que é possível um mundo perfeito. Ora, um mundo finito perfeito não é possível, pois é contraditório. Um mundo finito "não pode existir sem que no seu funcionamento e realização apareça também o mal".
Mas então ergue-se a pergunta: como pode Deus dar-nos a salvação plena que esperamos após a morte, se continuaremos finitos e a finitude é que torna inevitável a existência do mal? Este mundo é finito, mas perfectível… O tempo pertence à estrutura do ser finito. O crente é aquele que espera — e o ser humano é constitutivamente esperante — , após o tempo do crescimento e da maturação na história, a salvação plena por dom gratuito do Deus. Então, já para lá dos limites da História, "não se pode afirmar que seja contraditório que, a o intensificar-se a presença criadora fora dos limites do espaço e do tempo, a criatura participe, de algum modo, com tal força na infinitude divina, que resulte livre do mal", conclui Andrés Torres Queiruga.
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