Ser homem: a propósito de José de Nazaré

Maria Clara Lucchetti Bingemer
10 may 2024 - 20:31

Dia 19 de março é festa de São José. A Igreja Católica celebra com entusiasmo o

carpinteiro José de Nazaré, esposo de Maria e pai adotivo (não gosto da palavra

putativo) de Jesus. Não havendo registro de uma só palavra sua pronunciada ao longo

da vida, o santo tem muitos devotos, atende pedidos de muitas graças e é figura das

mais respeitadas e veneradas na piedade católica.

Até mesmo fora das fronteiras eclesiais há artistas e intelectuais que se

interessam pela figura de José. Como Georges Moustaki, cantor e compositor egípciofrancês, que compôs a canção “Joseph” que Rita Lee depois lançou por aqui em nossas

paragens. O que a livre e feminista Rita Lee achou de interessante em José de Nazaré,

da tribo de David, conhecido no catolicismo como “casto esposo de Maria”? E, no

entanto, aí temos a canção que foi sucesso. Tanto a de Moustaki como a de Rita Lee.

Rara e preciosa combinação de traços dessa personalidade que é José. Uma

presença silenciosa e fiel, constante, cuidadosa, vigilante. Carpinteiro apaixonado pela

mais bela moça da Galileia. E que passou noites sem dormir desesperado, sem saber

o que fazer ao constatar que Maria esperava um filho que não era seu. Dividido entre a

fidelidade absoluta à lei mosaica que regia sua vida de judeu piedoso e que lhe ordenava

repudiar a mulher que supostamente o traíra e o amor que sentia por aquela jovem, que

lhe sussurrava ao peito que o que nela acontecia só podia vir de Deus que é fonte de

vida.

O sonho onde ressoou a voz do anjo, mensageiro do Senhor, acabou de decidilo. ”José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou

é fruto do Espírito Santo”. Assim ouviu, assim fez José, o justo, o não machista, o que

sabia amar e respeitar sem desvendar brutal e autoritariamente o mistério da mulher

que amava. A criança que nasceu foi recebida e amada, apoiada e protegida. José viveu

a paternidade que não era sua biologicamente, mas sim afetiva e espiritualmente. Aos

que cremos na Encarnação do Verbo de Deus nascido de mulher, só nos resta

inclinarmo-nos e louvar a Deus que suscitou em Israel a José de Nazaré, esposo de

Maria e que cuidou de Jesus com desvelo durante sua vida.

Neste último dia 19 andei lendo vários textos sobre este homem. Alguns

belíssimos e comoventes. Parece que a figura de José ganha dimensões novas e mais

amplas. Talvez porque como humanidade estamos começando a entender que é mais

que tempo, que passou da hora de mudar os paradigmas. O cuidado se perfila no

horizonte como o novo paradigma possível e recomendável em um momento em que a

arrogância e a eficácia sem freios nem limites em busca do êxito e da riqueza

fracassaram rotunda e claramente.

José é um homem que cuida. Aquilo que sempre foi entendido como dever da

mulher, é um homem que o pratica. José cuida dessa mulher que sem seu cuidado seria

morta e penalizada pelo suposto delito cometido. Cuida dessa criança que nasce

indefesa e tão ameaçada pelos poderosos que queriam sua morte. Cuida da vida frágil

e sem defesa.

Em tempos de feminicídio, o Brasil cresce na macabra estatística de ter cada vez

mais mulheres assassinadas pelos homens com quem mantinham uma relação

amorosa. Mortas por serem mulheres, agredidas e assassinadas porque queriam

terminar uma relação e seus parceiros não aceitaram essa decisão. Exterminadas

porque desejavam trabalhar fora e desenvolver-se como pessoas e não lhes era

permitido por aqueles com quem conviviam e se julgavam proprietários de sua pessoa.

Nesse contexto a figura de José aparece como desafio a um modo de ser homem. E dá

pistas para pensar no que significa realmente a masculinidade. Mais do que o que

significa, em que implica.

Com a emergência dos movimentos de emancipação e libertação da mulher, a

masculinidade vive uma profunda crise. Os homens se encontram um tanto perdidos

diante do que lhes foi ensinado que eles mandavam, eram a “cabeça” do casal, deviam

ter as mulheres a eles submetidas e dominadas. Igualmente foram ensinados a

esconder seus sentimentos, a não chorar, não externalizar suas emoções. Isso é bom

para as mulheres.

José mostra que outra masculinidade é possível; Ser homem não é sinônimo de

ser violento e autoritário. Mas é amar e respeitar, assumir responsabilidades, cuidar,

estar presente, escutar, ajudar. Tudo isso foi a vida de José. E mais tarde, quando Jesus

maravilhava a todo o povo com as palavras que dizia, perguntavam: “Não é este o filho

do carpinteiro?”

São José, roga por nós. Que tua pessoa inspire uma nova geração de homens

configurados pelo cuidado e não pela dominação.

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