Esperança em tempos de desespero no Brasil.

A leitura do importante livro de Albert Nolan, sacerdote dominicano sul-africano, “Esperança em tempos de desespero” (Paulus SP, Brasil 2012) nos leva a meditar com grande responsabilidade em nosso futuro, no momento atual do Brasil.

O século XVII produziu na Europa uma explosão de otimismo. Os filósofos e cientistas rejeitaram ao autoritarismo da Igreja e recorrendo à razão confiavam plenamente no “progresso humano”. Mas a revolução Francesa se tornou opressora. Muitos acreditaram então no mundo socialista de igualdade e solidariedade. Mas, os governos comunistas da União Soviética se tornaram opressores e totalitários.

Surgiu então a esperança da expansão capitalista e a economia de livre mercado. A perspectiva era de um crescimento econômico ilimitado e em todo o mundo. Os estados de bem-estar social eram uma esperança até 1970-80, anos de introdução do neoliberalismo que combateu o estado de bem-estar social porque colocava limites ao mercado livre. Nada de limites! Pede o ego reptilico; deve-se depositar toda confiança no livre desenvolvimento e na auto regulação do mercado. Uma espécie de Fé terrena, que, de acordo aos neoliberais, seria cientifica. O marxismo materialista também se proclamava cientifico.

Bruckner (“A Tentação da Inocência” Rocco RJ 1997) descreve, de forma excelente, esta Fé terrenal: “O consumo é uma religião degradada, a crença na ressurreição infinita das coisas cujo supermercado seria a Igreja e a publicidade os Evangelhos”.

Assim, tudo deve ficar submetido ao mercado, tudo tem que supeditar-se à logica da produtividade e do consumo. O Estado deixará de ser garante da saúde e educação, especialmente dos mais pobres, para criar um modelo mercado centrico puro, onde cada qual proverá suas necessidades na medida em que possam. Os seres humanos perderemos rapidamente o que nos identifica: nossa relação com Deus e nossa fraternidade, para entrar numa luta de todos contra todos para entrar no paraíso neoliberal.

Jesus, pelo contrário, deu importância significativa a: saúde e comida. Por isto não existia enfermo que não curasse e gente com fome que não dera de comer. Existem hoje 900 milhões de pessoas com fome especialmente em África e América latina. E Brasil vai apoiar a politica de Trump que deseja edificar um muro entre USA e México, e que não deixa entrar aos milhares de imigrantes com fome que desejam somente comer as sobras dos Ricos.

Emmanuel Mounier (1905-1950), quem teve a ideia de fundar um movimento para quebrar com a “desordem estabelecida”, o que foi concretado em 1932, com a criação da revista Esprit que defendia uma revolução personalista e comunitária capaz de se opor ao capitalismo liberal e ao comunismo marxista, explica: “Acima das pessoas não reina a tirania abstrata de um Destino, de um céu de Ideias ou de um Pensamento impessoal, indiferente aos destinos individuais, mas um Deus pessoal, embora de modo eminente, um Deus que ‘pagou com sua pessoa’ para assumir e transfigurar a condição humana, e que propõe a cada pessoa uma relação singular de intimidade, uma participação na sua divindade”.

Um Deus que não se afirma, como pensou o ateísmo contemporâneos, pelo que arrebata ao homem, mas outorgando-lhe, pelo contrario uma liberdade análoga à sua”. Mounier esteve presente nas ideias pedagógicas de Paulo Freire (Ver: H. Flenk Histedbr on-line, Campinas 2014, 58, 244-56) no pensamento de Alceu Amoroso Lima (1893-1983) e Henrique C. Lima Vaz (1921-2002),e de vários movimentos de juventude operaria, universitária, de ação católica etc. que se opuseram a hierarquia eclesiástica pela su atitude frente ao governo militar surgido em 1964.

Devemos mencionar também ao Professor Edgar de Godói da Mata-Machado que segundo Patrus A. de Souza (Psicologia em revista, Belo horizonte, 2013, 19, 328-339) “A justiça foi para ele uma estrela guia na melhor tradição de......vale dizer, na melhor tradição fundada por Jesus de Nazaré e vivenciada, ao longo dos séculos, pelos que têm fome e sede de justiça”. Edgar foi confidente de George Bernanos que durante sete anos morou no Brasil. De Souza afirma: “No povo humilde dos sertões do Brasil, Bernanos e Edgar punham sua fé. Foi essa fé no povo brasileiro, a partir dos pobres, dos camponeses, agricultores, trabalhadores, articulada com a sua fé no mistério cristão, que fizeram de Edgar da Mata-Machado esse símbolo admirável do que há de melhor na nossa gente, na brava gente brasileira”.

Curiosa e inesperadamente o neoliberalismo de Estados Unidos junto aos Fundamentalistas religiosos enquanto conformavam o eleitorado protestante e católico conservador com temas como aborto, família, tradição etc. na realidade aplicavam um programa que destruía os valores que falavam defender. As politicas capitalistas neoliberais são a causa da destruição do homem, da pessoa humana, mais que o marxismo. Porque o capitalismo requer indivíduos dóceis e separados da família e de toda comunidade social, e susceptíveis aos ataques de uma sociedade consumista individualista que o capitalismo conseguiu realizar.

Alguns dirigentes da denominada esquerda contribuíram para isso, ao apoiar como de cunho progressista o aborto, a teoria de gênero, a ruptura total com toda tradição, etc. sem considerar que ela não pode ser autentica se não for nutrida por uma espiritualidade muito seria e profunda. Porque questões como igualdade, fraternidade, acolhida, respeito, serviço são espirituais demais ( e odiadas demais) para acreditar que podemos alcança-las melhorando o PIB.

Lamentavelmente, esta ideia chegou ao Brasil neste momento histórico, da mão de neopentecostais, que lucram com a religião, e de protestantes e católicos conservadores enganados por um sistema que despersonaliza o ser humano, o massifica com seus estudos de propaganda iniciado em USA em 1920, os aliena de tal forma que sua identidade humana dada pelo seu relacionamento, como escrevia o grande filosofo judeu Martin Buber, passa a ser a de seus ídolos: dinheiro, prazer, fama, comodismo etc. Sua verdadeira identidade de sua relação com Deus foi reprimida.

É a sociedade onde predomina o “ego reptilico”, ao contrario do “ego espiritual”, como foi indicada em meu trabalho “Original Sin: a New Historical-evolutionary View” (Syntropy 2017, 1, 43-56) que se corresponde com o eu falso e o eu verdadeiro de Merton, nos egos inconscientes: instintivo e espiritual de Viktor Frankl, e se observa na antropologia de S. Paulo (Rm 7:21-24). Este ego reptilico é o que estimula a liberdade absoluta do ser humano, que se absolutiza a si mesmo, se fecha, porque essa liberdade é insuportável de viver, e assim perde contato com a realidade, para cair em diferentes vícios: droga, extremismo politico, no misticismo de camelô etc.

O Concilio Vaticano II criou uma esperança na renovação da Igreja, no sentido da liberdade radical de Jesus e do Evangelho. No entanto, todos os benefícios do Concilio foram lenta e persistentemente indo para o sentido oposto.

Atualmente a Igreja esta convulsionada pela pederastia y abusos seriais de sacerdotes, bispos etc. que foram ocultados durante muitos anos, ate que chegou Francisco que deseja limpar e renovar a Igreja, mas não encontra colaboração unanime e ate oposição de setores conservadores.

Estes fatos criaram uma sociedade onde muitas pessoas já não esperam nada, em algum sentido é a sociedade do desespero. No entanto, para um cristão sempre existe a esperança. Nas palavras de Paulo “esperamos contra toda esperança”. O objeto da esperança cristã é a vinda do Reino de Deus que foi a fundamental predica de Jesus nos Evangelhos. Por isto no Pai-Nosso rezamos “Venha a nós o vosso reino; seja feita vossa vontade, assim na terra como no céu”. A vontade de Deus e sempre o melhor para todos nos e toda a criação.

Para isto devemos mudar a visão de porque Deus “permite” que as pessoas sofram com esta situação para aquela que Deus esta sofrendo com todos nos. Deus esta entre as vitimas da injustiça. Foi esse o sentido da crucificação, Jesus foi vitima da crueldade humana.

Mouniier (O personalismo, Texto-Grafra, Lisboa 2010) explica: ”Um estudo mais aturado dos factos leva-nos a pensar que esta crise não é o fim de cristianismo, mas o fim de uma cristandade, de um regime de mundo cristão carcomido que parte as amarras e parte à deriva, deixando para trás de si os pioneiros de uma cristandade nova” e ao observar que a crise e mais amplas, é dos valores religiosos no mundo ocidental afirma “Mas uma lição, agora evidente, do século XX é está, onde as formas religiosas desaparecem sob o seu rosto cristão, ressurgem sob outro dado: divinização do corpo, da coletividade, da Espécie no seu esforço de ascensão de um Chefe, de um Partido etc”. Estas são formas degradadas e retrogradas em relação ao Cristianismo porque se elimina de alguma forma a pessoa humana e a suas exigências. Este é o problema crucial do Brasil hoje.
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