"E nem Francisco abriu a porta à ordenação presbiteral das mulheres" Mudança na Constituição da Igreja

Prevost y Francisco
Prevost y Francisco

"É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda  quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo,  enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória pelos pecados"

"Na realidade, foi o contrário que se passou. Jesus anunciou  exactamente o contrário. Este é o seu Evangelho, notícia boa e  felicitante: Deus é bom, Abbá (querido Papá), Pai/Mãe"

"Para voltar a Jesus, impõe-se uma mudança na Constituição  da Igreja, uma verdadeira revolução"

Estes dias desde a morte do Papa Francisco em que os meios de  comunicação social estiveram concentrados no Vaticano,  infelizmente muitas vezes nem sempre pelas melhores razões  cristãs no sentido fundo da palavra, pois lembrava-se por vezes  mais a pompa e o fausto das cortes imperiais dos antigos impérios,  deveriam ter sido uma ocasião para reflectir de modo fundo sobre  o cristianismo na sua profundidade essencial, a melhor mensagem  que alguma vez chegou à Humanidade na sua História e, dessa  reflexão, tirar necessárias e urgentes conclusões, para voltar  precisamente ao essencial. 

 1. É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda  quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo,  enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória pelos pecados. Por causa do pecado dos primeiros pais, a  Humanidade tinha uma dívida infinita para com Deus, que Jesus  pagou na cruz, e assim Deus pôde aplacar a sua ira e reconciliarse com a Humanidade. 

Especial Papa León XIV

Foto oficial del papa León XIV
Foto oficial del papa León XIV

 Em relação a este Deus bárbaro e macabro, pior do que qualquer ser humano decente e que faz lembrar os deuses a quem as pessoas  sacrificavam os seus filhos primogénitos como vítimas para os  aplacar e implorar bens e graças, eu pessoalmente sou ateu.

 2. Na realidade, foi o contrário que se passou. Jesus anunciou  exactamente o contrário. Este é o seu Evangelho, notícia boa e  felicitante: Deus é bom, Abbá (querido Papá), Pai/Mãe. E todos  são seus filhos e filhas e ele só quer o bem deles, a sua alegria,  felicidade e realização plena de todos. Essa foi a mensagem de  Jesus por palavras e obras, seguindo-se que, se todos são filhos e  filhas, todos são irmãos e irmãs e devem agir em consequência… 

 Era evidente que essa mensagem ia contra os interesses do  Templo. Jesus enfrentou concretamente o sacerdócio judaico — parece que havia uns 20 000 sacerdotes e levitas e Flávio Josefo  refere que numa páscoa degolaram 255 600 cordeiros. Segundo  Jesus, é preciso aprender que o que Deus quer é justiça e  misericórdia, dizia-lhes: "Ide aprender: Deus não quer sacrifícios  rituais de vítimas, quer justiça e misericórdia". A mensagem de  Jesus também ia contra os interesses de Roma, pois os impérios  não existem para a fraternidade, mas para a exploração...  

 Jesus sabia, portanto, que punha em risco a sua vida, mas não se  acobardou. Pelo contrário, foi até ao fim para dar testemunho da  Verdade e do Amor. Assim, foi julgado e condenado à morte e  morte de Cruz: o horror pura e simplesmente. Ele, o inocente, foi  vítima não de Deus, mas dos homens, vítima de um assassinato.  Deus, porém, ressuscitou-o: Jesus, na morte, não encontrou o nada, mas a plenitude da vida, e os discípulos acreditaram e foram  anunciar a Boa Nova e surgiram comunidades de cristãos e cristãs.  Eles amavam como Jesus mandara: “Dou-vos um mandamento  novo: amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”. E reuniam-se  em banquetes festivos e fraternos para recordar a Última Ceia e  outros banquetes de Jesus, a sua mensagem, a sua morte, a sua  ressurreição, celebrar e aprofundar a fé e a esperança, animar a  caridade, o amor... E a celebração acontecia na casa de um cristão  ou cristã com uma casa maior e melhor, e quem presidia era o dono  ou a dona da casa.

 3. Com o tempo (século III) — quem explicou isso bem foi  Herbert Haag, Professor da Universidade de Tubinga, talvez o  maior exegeta do século XX, que tive o privilégio de ter como  querido amigo —, também porque os cristãos iam sendo acusados  de ateus por não oferecerem sacrifícios à divindade, a Eucaristia  foi perdendo esse carácter de banquete festivo e fraterno e surgiu a sua interpretação como sacrifício — o manual de Teologia por que  estudei em jovem ainda falava na Missa como “mactatio mystica  Christi” (matação, imolação mística de Cristo, discutindo-se se a  imolação era real, moral, sacramental) e, quando presentemente nas igrejas se olha para os altares laterais, vem à lembrança o  tempo ainda recente em que vários sacerdotes iam oferecendo, só  com um acólito, que nada entendia, até porque era em latim, o  “santo sacrifício da Missa” por diversas intenções, e ainda não se  acabou com o absurdo dos “Trintários de Missas” — e, com a  interpretação da Eucaristia como sacrifício de expiação pelos  pecados, começou a ordenação sacerdotal e, assim, na Igreja  apareceram duas classes: o clero com todos os seus privilégios e  os leigos. Totalmente contra o que Jesus queria: "sois todos  irmãos". E nem Jesus nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes.  Mas, com a ordenação sacerdotal, apareceu não só uma Igreja com  duas classes — o clero e o povo —, mas foi-se também impondo o  celibato, e as mulheres, que antes também tinham presidido, foram  excluídas, por causa da impureza ritual… 

 E nem Francisco abriu a porta à ordenação presbiteral — intencionalmente, não utilizo a palavra sacerdotal — das mulheres nem à ordenação de homens casados e ao fim da lei do celibato… 

 4. Para voltar a Jesus, impõe-se uma mudança na Constituição  da Igreja, uma verdadeira revolução, que implica, como explico  longamente no meu mais recente livro: O Mundo e a Igreja. Que  Futuro?, "pôr fim à ordenação de sacerdotes".  

 Evidentemente, na Igreja — não sou anarquista — haverá, como  desde o início houve, funções, ministérios e serviços ordenados,  que até podem ser temporários, de homens e mulheres, mas não com a ordenação sacerdotal, com ordens sacras, o que é  completamente diferente. 

 De facto, segundo a doutrina oficial, a ordenação sacerdotal  implica uma transformação ontológica do ordenado, fazendo dele  um "alter Christus", "outro Cristo", só ele podendo presidir à  Eucaristia e perdoar os pecados na confissão. Com a ordenação  sacerdotal, a Igreja não tem reforma possível, por causa da sua  divisão automática em duas classes, repito: clero e povo, de tal  modo que, quando se fala em Igreja, o que se está normalmente a  referir é menos de 1% da Igreja: a chamada hierarquia. E Jesus  tinha dito: "sois todos irmãos". 

 E aí estão a peste do clericalismo e a pompa e o luxo destes dias.  E, quando se entrou em conclave para eleger o novo Papa, lá  esteve aquele “extra omnes”: “fora todos”, todos os que não  pertencem ao conclave, ao qual só pertence o topo da hierarquia, aliás num sistema endogâmico, pois aqueles 133 cardeais eleitores  são purpurados criados por Papas anteriores, portanto,  evidentemente, sem nenhuma mulher, mesmo se mais de metade  dos católicos são mulheres...  

Etiquetas

Volver arriba