Qual a herança do Concílio Vaticano II?..


Dias atrás alguém me pediu uma reflexão sobre o Concílio Vaticano II (1962-1965), para entender melhor o momento atual da Igreja.

O Concílio Vaticano II (CVII), 21º Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convocado pelo Papa João XXIII (1881-1963) e terminou sob o papado de Paulo VI (1897-78). O nome de Vaticano II indica que ocorreu na cidade do Vaticano, e “dois” porque foi o segundo concílio realizado nesta localidade.

No CVII, mais de 2.000 bispos discutiram e regulamentaram vários temas da Igreja católica: 4 constituições, 9 decretos e 3 declarações elaboradas e aprovadas pela maioria dos presentes. Momento de reflexão da Igreja sobre si mesma e suas relações com o mundo. Cremos que o Espírito Santo trabalhou por meio das pessoas que ali se encontravam.

João XXIII quis um concílio “pastoral”. O CV II foi embrionariamente a primeira autorrealização oficial da Igreja, enquanto Igreja mundial (embrionária e tímida!), pois até agora tudo tinha sido muito europeu. A diversidade de culturas e pensamentos começaram, então, a se fazer presentes com os bispos nativos da África e da Ásia (antes eram bispos europeus e missionários nesses continentes).

O Sínodo sobre a família/2015 experimentou também essa universalidade diversa em dois blocos antagônicos (conservadores e progressistas). A Cúria Romana, com suas Congregações, tem ainda hoje essa mentalidade centralista burocrática romana. O CV II foi a primeira reunião do episcopado mundial que não agiu apenas como órgão consultivo do Papa, mas, com ele e sob ele. Concílio mundial com um episcopado mundial. Isto é um fato novo que começou então. Com ele, surgiram algumas perguntas: A moral matrimonial ocidental tem que ser a mesma em todos os lugares? É necessário celebrar a eucaristia com vinho de uva também em países em que o álcool é proibido culturalmente? Quais serão as consequências deste pluralismo no futuro?

A vitória das línguas maternas na liturgia sobre o latim romano assinalou o futuro da Igreja Católica. As Igrejas particulares não são réplica de Roma nem exportação europeia. As Igrejas locais, em comunhão com o bispo de Roma, são verdadeiras igrejas com suas especificidades.

Contudo, provavelmente muitas coisas foram ditas no CV II no horizonte de compreensão ainda especificamente europeu. A relação final do Sínodo é uma prova desse novo colonialismo teológico. O Papa Francisco, latino-americano e jesuíta, está atento a esta dominação uniforme, e procura destacar outras dimensões dessa pluralidade necessária na Igreja (sinodalidade, papel da mulher nos organismos de poder eclesial, etc.).

A Declaração do CVII sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs abriu, por primeira vez na história do magistério eclesiástico, o caminho para valorizar positivamente as grandes religiões mundiais. Há salvação também fora da revelação cristã.

Na Declaração sobre a liberdade religiosa, por exemplo, a Igreja renunciou a qualquer meio de poder que não resida na força do Evangelho. Surgem, então, as atividades ecumênicas que deverão ser sempre valorizadas. A Igreja começou a tomar consciência de seu formato “poliédrico”. Somos uma comunidade de comunidades!

Existem na história da Igreja três grandes períodos, o terceiro dos quais apenas começou no Vaticano II. O Primeiro período: muito breve, foi o judeu-cristão; O Segundo Período: a Igreja em áreas culturais determinadas, a saber, na área do helenismo e da cultura e civilização europeia. O Terceiro Período: É a Igreja universal, espalhada pelo mundo inteiro.

Três períodos, três situações fundamentais e diferentes entre si. Com o CVII iniciou-se uma outra época, pois foi um evento realmente relevante do ponto de vista teológico e histórico-salvífico.

No Primeiro Período aconteceu a abolição da circuncisão para os cristãos provenientes do paganismo, não prevista nem por Jesus nem pelos Evangelhos. Daí seguiu-se outras abolições: a do sábado para o Domingo (dia do Senhor!), deslocamento de Jerusalém para Roma, modificações profundas na doutrina moral, surgimento e adoção de novos escritos canônicos, etc.

Penso que vivemos hoje um novo tempo de rupturas, como aquela verificada na passagem do cristianismo judaico para o cristianismo dos gentios.

Se a Igreja não conseguiu entrar no Oriente e no Islã foi por ser muito Ocidental. Ou a Igreja reconhece as diferenças positivas das outras culturas, na qual está inserida ou então permanecerá como uma Igreja ocidental, traindo o seu Senhor Jesus.

O pluralismo de teologias parece inevitável. Como manter a unidade da fé nas diversas pregações e no pluralismo litúrgico? A coisa é tão comprometedora que houve retrocessos com Paulo VI e mais ainda com João Paulo II. Com o Papa Francisco vivemos esse tempo novo, tão esperado após o CVII e que alguns até chamam de Primavera eclesial.

Uma Igreja presente no mundo todo, fraternal e serviçal.

Uma pergunta: E você o que pensa sobre a herança do CV II?
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